O processo de internacionalização de empresas brasileiras, especialmente a partir da aquisição de controladas ou coligadas no exterior, envolve ganhos estratégicos, acesso a novos mercados e diversificação de ativos.
No entanto, esconde desafios consideráveis em matéria tributária, sobretudo quando se trata do repasse de lucros e dividendos dessas subsidiárias para a controladora no Brasil. O tema ganhou relevância com as recentes mudanças nas regras brasileiras, principalmente após a Lei nº 14.596/2023, que alterou procedimentos de tributação internacional, transfer pricing e apuração de lucro auferido no exterior. Não raro, gestores e conselheiros se deparam com obstáculos complexos de carga tributária, bitributação e limitação de créditos fiscais.
Listamos abaixo cinco pontos centrais para orientar tomadas de decisão mais seguras e eficientes nesse contexto.
1. Limites e regras para compensação de tributos pagos no exterior: O principal mecanismo para evitar a bitributação é a compensação, no Brasil, do imposto de renda pago no exterior, usualmente o corporate tax federal naquele país. No entanto, a compensação possui requisitos rigorosos: só é aceita até o limite do IRPJ/CSLL devido no Brasil sobre o mesmo lucro, e somente para tributos que incidem diretamente sobre o lucro da controlada. Outras exações, como impostos sobre dividendos remetidos (“withholding tax”) ou tributos estaduais/locais, normalmente não são compensáveis. Isso significa que, na prática, parte substancial do imposto pago fora não pode ser deduzido dos tributos brasileiros, elevando a carga tributária total do grupo.
2. Bitributação em distribuição de dividendos: Ao repassar dividendos de uma subsidiária estrangeira para o Brasil, frequentemente há retenção de imposto na fonte no país de origem (withholding tax), por exemplo, 30% nos EUA para o Brasil, devido à ausência de tratado contra bitributação entre os dois países. A legislação brasileira não permite compensar esse valor de imposto na apuração do IRPJ/CSLL da controladora, pois é tributo incidente sobre a remessa/dividendo, e não sobre o lucro auferido. O resultado prático é bitributação: a subsidiária paga imposto sobre o lucro e, ao distribuir dividendos, sofre nova tributação, sem que a controladora no Brasil possa abater o total efetivamente despendido.
3. Mudanças legislativas recentes (lucro auferido vs. lucro disponibilizado): Desde a Lei nº 14.596/2023, o Brasil adota o regime de tributação de lucros “auferidos”, no qual a controladora brasileira precisa tributar o lucro das suas controladas/coligadas estrangeiras independentemente da distribuição de dividendos, ou seja, mesmo que os recursos permaneçam retidos no exterior. Isso reforça a rapidez da exigibilidade tributária no Brasil e obriga grupos empresariais a avaliar com cautela o momento e a forma de remessa de lucros, pois a tributação não está mais vinculada à efetiva entrada de recursos.
4. Estruturas internacionais e planejamento tributário: Buscar países intermediários com acordos para evitar bitributação ou menores alíquotas de withholding tax, como Holanda e Luxemburgo, foi por muito tempo uma solução adotada. Contudo, autoridades fiscais brasileiras vêm endurecendo o tratamento de estruturas artificiais ou holdings sem substância, aplicando a regra do “beneficiário efetivo” para desconsiderar planejamentos que visem apenas vantagens tributárias. Assim, eventuais planejamentos precisam estar lastreados em operações reais, incluindo pessoal, ativos, riscos e funções geridas, sob pena de desqualificação fiscal e autuações severas.
5. Possibilidades de redução da bitributação: Apesar dos entraves e de uma fiscalização cada vez mais rigorosa, existem mecanismos para mitigar a bitributação: (i) optar pela retenção dos lucros no exterior, adiando sua distribuição e, consequentemente, a incidência do withholding tax; (ii) estruturar remessas por meio de contratos legítimos de empréstimo, serviços ou royalties, desde que atendam a requisitos de efetividade e preços de transferência; (iii) explorar estratégicas de planejamento de distribuição em momentos mais favoráveis do ponto de vista fiscal e cambial. Por outro lado, embora legítimas, essas alternativas, se mal implementadas, expõem o grupo a riscos reputacionais, autuações e custos não previstos.
A repatriação de lucros e dividendos por controladoras brasileiras demanda planejamento altamente especializado. A complexidade decorre não só da legislação nacional, mas da combinação de regimes fiscais de diferentes países, dos tratados (quando existentes) e da postura crescente das autoridades tributárias globais na repressão a planejamentos artificiais.
A avaliação criteriosa de cada cenário, somada a uma estrutura de comprovação documental robusta e transparência nas relações internacionais, é indispensável para que o crescimento global se converta em valor efetivo para o grupo brasileiro, com o menor custo tributário possível e dentro dos limites de compliance.